sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Os 10 melhores discos de 2016



Primeiramente, nunca confie em um post com esse título.

É claro que aqui não estão os 10 melhores discos de 2016.

Tá certo que tem muito blog por aí que solta esse tipo de lista sem ressalva alguma. Aí você supõe que o sujeito ouviu todos os discos lançados no mundo e separou os 10 melhores pra você! Aham...

SalaFlita deve ter ouvido uns 40 discos novos lançados no ano passado. Aqui, indica 10 dos seus favoritos.

Os critérios? - Gosto pessoal.

De resto, rotulamos sons, adjetivamos sem fundamento, fazemos comentários clichê típicos de quem não é músico (não que músico consiga fugir de comentário clichê)...

Segue a lista, em ordem decrescente de preferência.

10. Sia – This Is Acting


Depois de 1000 Forms of Fear, a expectativa era grande sobre Sia, e This is Acting não decepciona, confirmando a cantora como uma das artistas mais interessantes a transitar do indie para o pop radiofônico. Destaque para as dançantes Movie Your Body e Cheap Thrills, e para a bela abertura com Bird Set Free.


9. Rolling Stones - Blue and Lonesome



Um álbum com 12 covers de blues antigos é, sim, um dos discos mais despretensiosos, honestos e legais que rolaram no ano passado. Isso porque a banda consegue deixar tudo com cara de Rolling Stones, numa seleção musical que impressiona pela coesão, trazendo pérolas como All Of Your Love, Everybody Knows About My Good Thing e a faixa-título do disco.

8. Dinosaur Jr. - Give A Glimpse Of What Yer Not


É muito massa ver banda que a gente curtia nos anos 90 ainda lançando discaço. É o caso deste Give a Glimpse of What Yer Not. As linhas de guitarra inconfundíveis de J Mascis marcam grandes canções, como Going Down, Good to Know e I Walk for Miles.

7. Edward Sharpe and The Magnetic Zeros - Persona



Belo álbum da banda de Los Angeles, mostrando-se na melhor forma ao trazer sua mistura de indie, folk e psicodelia. Ouça Hot Coals, No Love Like Yours e Perfect Time.


6. Norah Jones - Day Breaks


A cantora volta com um disco daqueles pra embalar relacionamentos, rompimentos, em um equilíbrio lindo do jazz com sua pegada mais pop. Ouça It is a Wonderful Time for Love, And Then There Was You, Don’t Be Denied e Carry On.

5. Beyoncé – Lemonade



Disco conceitual e muito diferente da Beyoncé dos hits de pista. Aliás, já tem muito DJ meia-boca metendo a mão nas canções de Lemonade. Explorando novas sonoridades e temas fortes, a cantora atinge um novo patamar criativo que a distingue com louvor de outras estrelas pop. Ouça Don’t Hurt Yourself, Freedom e o hit Formation.


4. Radiohead - A Moon Shaped Pool


Mais um disco impecável do Radiohead que, se já não é mais tão surpreendente como antes, continua genial em estúdio, aliando técnica e emoção como poucas bandas são capazes de fazer. A Moon Shaped Pool é um álbum mais linear da banda. Destaques para Daydreaming, Decks Dark, Identikit e o hit Burn the Witch. 

3. Car Seat Headrest - Teens Of Denial 



É como se o Beck estivesse à frente de uma bandinha de indie rock muito massa. A Car Seat Headrest existe desde 2010, mas ganhou projeção em 2015, quando assinou com a já clássica Matador Records. Difícil destacar faixas em um disco tão legal, mas ouça Vincent, Drunk Drivers/Killer Whales e a épica The Ballad of The Costa Concordia.


2. David Bowie – Blackstar


Experimental, Blackstar soa como lamento e, ao mesmo tempo, celebração. Bowie mistura jazz, efeitos e batidas eletrônicas em uma obra de despedida surpreendente, com lugar garantido entre os melhores discos da sua carreira. Destaques para a incrível faixa-título, Lazarus, Sue (Our in a Season of Crime) e Dollar Days.


1. Slaves - Take Control 



Pedrada atrás de pedrada, o duo inglês escancara suas influências de Sex Pistols, Clash e Nirvana no disco mais cru e rock’n’roll ouvido pelo Salaflita em 2016. Destaques para Spit it Out, Consume or Be Consumed (com participação de Mike D., dos Beastie Boys), People That You Meet e Same Again.

Algumas menções honrosas, que poderiam muito bem estar nesta lista de 10 melhores discos de 2016, em ordem alfabética:

  • Andrew Bird - Are You Serious
  • Band Of Horses - Why Are You Ok
  • Jake Bugg – On My One
  • Korn - The Serenity of Suffering
  • Lady Gaga - Joanne
  • Metallica - Hardwired.To Self-Destruct
  • Moby and The Void Pacific Choir - These Systems Are Failing
  • New Order - Music Complete
  • Pixies – Head Carrier
  • The Brian Jonestown Massacre - Third World Pyramid
  • The Kills - Ash and Ice
  • The Lumineers - Cleopatra
  • Wilco - Schmilco

E você, teve algum disco favorito em 2016? Tem alguma dica para os leitores do SalaFlita? Deixe seu comentário.


quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Making a Murderer é das séries mais impressionantes e angustiantes já realizadas

Acabou o recreio! Você que já se divertiu aos montes com Stranger Things precisa, agora, de um choque de realidade.


A ficção é capaz de nos contar histórias leves e encantadoras, como também as mais escabrosas, absurdas e cruéis. Neste último caso, geralmente ficamos aflitos, tristes, pensativos... depois, conversamos com os amiguinhos e desabafamos: “Nossa, o Daniel Day Lewis come o pão que o diabo amassou, hein?! Que filme pesado! Que atuação!”. Então, com o passar das horas ou dos dias, há uma espécie de naturalização e consequente alívio sobre aquilo que se viu.

Esse alívio dificilmente vai acontecer quando você assistir à Making a Murderer, série documental da Netflix.


Sem contar muito para não estragar sua experiência (segure sua onda e não saia antes descobrindo tudo sobre a série no Google, é sério!), Making a Murderer conta a história de Steven Avery, um americano de Wiscosin que, por meio de um exame de DNA, prova sua inocência após 18 anos preso por um crime de agressão sexual. O fato toma repercussão nos EUA. Então, quando está prestes a receber uma indenização do governo por tudo que passou, Avery se torna o principal suspeito de um novo crime: o assassinato de Teresa Halback, uma fotógrafa de 25 anos.

Em 10 episódios de aproximadamente 1 hora cada, a série registra 10 anos da vida de Steven Avery, sua família e demais envolvidos, mostrando julgamentos, entrevistas, depoimentos e, especialmente, as contradições sobre os fatos apresentados. Uma gama riquíssima de personagens é vista, de pessoas de extrema simplicidade a verdadeiros psicopatas agindo em nome da lei.

A sensação é de estar em um bizarro, deprimente e angustiante pesadelo judicial e criminal, um pesadelo que não se encerra.

Infelizmente, não será possível falar sobre a atuação do Daniel Day Lewis ao final, pois ali tudo é real.

Making a Murderer é imperdível! Você precisa ver.

Classificação: 4 / 5

domingo, 24 de julho de 2016

8 Motivos para ver Stranger Things, a série hype da Netflix (sem spoiler)


A série tem o elenco mirim mais carismático que você viu (e talvez vá ver) em anos; 

Stranger Things é repleta de personagens deliciosamente estereotipados: pais ausentes; pais desequilibrados; o policial alcoólatra e herói; o menino popular, a menina insegura e o esquisitão – e respectivo triângulo amoroso entre eles; as crianças que praticam bullying e seus alvos, os protagonistas; um vilão de cabelo branco; dentre outros;

As referências a alguns dos filmes mais legais dos anos 80 estão lá, de Goonies a ET, de Conta Comigo a Poltergeist;

Clima de mistério, suspense e terror remetem às coisas mais divertidas das adaptações de obras do Stephen King para o cinema;


Tem a Winona Ryder finalmente fazendo algo relevante e como protagonista, após anos de punição não declarada de Hollywood ao episódio em que foi flagrada roubando em lojas de luxo dos EUA

Trilha sonora das mais legais... Television, Bowie, Moby (este, em momento emoção)... e toca Should I Stay Or Should I Go sempre!

Sentimento constante de nostalgia para quem chegou ou já passou dos 30 anos. É impossível não se identificar com um tempo em que tudo o que importava era sair de bicicleta sem rumo certo, gravar fitas cassetes com suas músicas favoritas, relembrar dos laços de amizade que, até então, seriam eternos, vivenciar o primeiro amor... além disso tudo, você tem o prazer de relembrar como era possível viver feliz sem um smartphone sempre por perto;

Esta primeira temporada tem apenas 8 episódios, o que fará você anular sua vida social por pouco tempo. Ou, então, sobrará mais tempo pra continuar escravizado pelas suas outras 9 séries favoritas.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Documentário The Mask You Live In mostra os efeitos devastadores da “cultura do macho”

O que é ser homem para você? Ter poder e dinheiro? Transar com muitas mulheres ao longo da vida ou, então, mentir sobre isso a outros homens? Casar e ter filhos, de preferência homens? Então, ensinar a esses meninos como serem verdadeiros homens?


Mais um documentário fundamental e disponível na netflix, The Mask You Live In, de 2015, fala sobre essas perguntas e vai além, trazendo um panorama sobre a “crise dos meninos” nos EUA e os efeitos devastadores da dita “cultura do macho” para a sociedade. 

Por meio do relato de experiências vividas por crianças, jovens e adultos, e da análise de psicólogos, educadores e estudiosos do assunto, The Mask You Live In conta sobre a perpetuação dos modelos de comportamento e gênero, de como ensinamos nossos meninos a serem homens. “Seja um homem” é classificada por um dos entrevistados como uma das frases mais destrutivas da nossa cultura. Sobre esse contexto, o filme denuncia com veemência a responsabilidade de pais, escolas, da indústria do entretenimento (cultura dos games, das celebridades e da música rap americana como exemplos) e do mundo dos esportes (e seus treinadores, que desde muito cedo, doutrinam meninos à competitividade, violência e repressão de qualquer manifestação de fragilidade). 

Ensina-se já nos primeiros 6 anos de vida, fase em que especialistas apontam como a que mais determina o adulto que seremos, como se deve neutralizar emoções e hierarquizar qualquer tipo de relação pelo domínio e subjugação do outro. Logo no início do filme, isso é exemplificado por um dos educadores entrevistados com a seguinte situação: 
“Entre em qualquer playground dos EUA, onde crianças brincam alegremente. Pergunte a elas ‘Quem é a mulherzinha aqui?’, e dois meninos vão começar a se apontar, ou todos apontarão um único menino, que acabará brigando com todos ou então voltará para a casa chorando.” 


Esse comportamento acaba se perpetuando em uma cultura que estimula insegurança sobre a masculinidade, fazendo com que esta tenha que ser provada o tempo todo. Uma cultura que cria, geração após geração, homens que odeiam mulheres. Homens que, plenamente convictos do que estão fazendo, matam 50 pessoas em uma boate gay. Isso liga o filme, de uma certa maneira, a outro documentário, She’s Beautiful When She’s Angry, que aborda a necessária luta feminista diante dessa cultura que estimula e molda inimigos.

Uma série de casos de bullying, trotes violentos, estupros e assassinatos em massa são citados ao longo do documentário como consequências do que se instituiu ser homem na América. Alcoolismo e abuso de outras drogas são quase institucionalizados como comportamento. O altíssimo índice de tentativas e de suicídios consumados é outro triste dado revelado por The Mask. Meninos que não se encaixam, que sofrem abusos e que são educados para não falar sobre isso acabam interrompendo suas vidas ainda na adolescência. 

Mesmo diante de um cenário devastador, conclui-se The Mask You Live In com olhar otimista, apresentando uma série de iniciativas e projetos de educadores que estão combatendo esse aspecto cultural tão enraizado, estimulando diálogo, compartilhamento de experiências e a livre expressão entre homens, desde quando crianças até a idade adulta. 

O filme também cobra a responsabilidade de cada um de nós em expandir o que é ser homem, tanto para nós mesmos, quanto para os meninos que estamos criando. Não agir sobre isso e, ainda por cima, minimizar a dor do outro, nos torna, de alguma forma, cúmplices de massacres como os de Orlando, e dos abusos, estupros e suicídios de cada dia.

Classificação: 3 / 5

quarta-feira, 8 de junho de 2016

She's Beautiful When She's Angry é documentário para entender o Feminismo

Daqueles filmes mais relevantes pela urgência do tema do que pela qualidade cinematográfica em si, She’s Beautiful When She’s Angry, de 2014, é um documentário que conta a história de luta das feministas nos EUA dos anos 60 e 70.



Por meio de depoimentos de várias mulheres responsáveis pelo momento mais efervescente dos movimentos de liberação feminina, o filme revela como essa luta foi responsável por transformar o mundo, com conquistas que, muitas vezes, em nossa santa ignorância, não fazemos ideia de que só existem até hoje graças à radicalização da luta, graças a essas mulheres que viveram a causa em completa entrega.

Há vários trechos relevantes de discursos e reflexões. Porém, o filme perde um pouco de sua força dramática ao preferir ser um grande painel, escolhendo narrar os fatos por muitos olhares (o que é louvável em um documentário), mas deixando de se aprofundar nas histórias pessoais das personagens. Talvez essa escolha tenha a ver com o fato de que, realmente, a causa feminista é, em si, a grande personagem da história.

É interessante observar, também, como esse movimento foi rechaçado, inclusive, pelos homens que lutavam ao lado das mesmas mulheres nas causas de esquerda. Ao falarem por si mesmas, tomando a frente dos discursos, foram hostilizadas, ameaçadas de estupro e morte. 

Outro ponto importante abordado pelo documentário são os conflitos gerados pelo desafio de se agregar, dentro de uma causa ampla, suas importantes particularidades: as necessidades das mulheres negras e das lésbicas feministas, por exemplo, dentro de um grande movimento.



O documentário causa impacto ao revelar que, ao mesmo tempo em que se lutava pelo direito à assistência de saúde, a métodos contraceptivos e à legalização do aborto, havia um terço da população feminina de Porto Rico sendo esterilizada. Para carolas, coxinhas e machistas que costumam cagar opinião sobre o movimento, entender que essas mesmas mulheres também lutavam pelo direito à maternidade é um belo tapa na cara.

Durantes os depoimentos, as palavras ódio e fúria são repetidas inúmeras vezes, reforçando que tudo o que foi conquistado não existiria sem esses sentimentos e que, em uma sociedade sufocantemente patriarcal, nada viria por meio de atos pacifistas e suas pombas brancas. Foi preciso desafiar, expor, mobilizar, fazer greve e lutar.

O filme também lembra a todos que essa luta deve ser contínua, que o atual retrocesso visto nas legislações de diversos países mostra que um direito conquistado sempre pode ser tomado de volta. Em tempos bicudos como os de hoje, com casos cada vez mais revoltantes de misoginia, abuso e violência, entender o feminismo para apoiar suas causas ou, pelo menos, não sair falando besteira em rede social, é urgente. Para isso, assistir à She’s Beautiful When She’s Angry é um belo primeiro passo.

O filme está disponível na netflix.

Classificação: 3 / 5

quinta-feira, 2 de junho de 2016

3 novas mulheres no rock que você precisa ouvir

Deap Vally, duo americano em ação.

Talvez você conheça a nova da Ariana Grande, acredita que a Adele mais uma vez impressionou (mas tem medo de que o próximo álbum seja outra repetição, mais um de seus belos muros de lamentações) e sabe que o disco da Beyoncé vai estar na lista de melhores do ano de meio mundo de publicações. Todas elas têm grandes méritos, é inegável. Mas a SalaFlita vem, por meio dest post, sugerir que você conheça um outro tipo de cantora: aquelas meninas que, desde muito cedo, abraçaram uma guitarra e, hoje, são alguns dos nomes mais interessantes e promissores do rock’n’roll, aquele rock com ruído e distorção, o tipo de som que não depende de rótulos como “diva”, nem leva álbuns aos mais vendidos da Billboard (um dia levou, lá no início dos anos 90). Se já não conhece, preste atenção nestes 3 novos nomes femininos do rock:

Courtney Barnett

Fenômeno vindo da Austrália, Courtney chamou a atenção internacional na música em 2015, com o lançamento de seu primeiro disco, Sometimes I Sit and Think, And Sometimes I Just Sit, isso após ter feito parte de algumas bandas na Austrália, como guitarrista, e também após o lançamento de 2 EPs já como artista solo. Courtney faz um som low-fi, distorcido, com letras autocríticas e também sobre assuntos mundanos. Anda tocando nos principais festivais do mundo, e tem show marcado para novembro no Brasil. Ótimas canções, despojamento e o olhar perdidão vêm fazendo muita gente compará-la a Kurt Cobain... SalaFlita acha que não é pra tanto, mas tem ouvido muito esse som. Melhor você conferir e tirar suas conclusões.



Deap Vally

Duo americano formado por Lindsey Troy e Julie Edwards (opa, então o post deveria ser “4 novas minas no rock...”). Erros de soma à parte, o Deap Vally faz um som com pegada de blues e rock alternativo. Lembra um pouco Kills, White Stripes, com vocal da Peaches... tem, até agora, um álbum de estúdio, Sistrionix, de 2013. Som bacanudo, recomendadíssimo.



Ellie Rowsell (Wolf Alice)

Ellie Rowsell está à frente da Wolf Alice, bandinha norte-americana bem maneira de indie rock noventista, bem mais sujo ao vivo do que nos discos. Ellie é guitarrista, vocalista e compositora da Wolf, que já tem lançado dois EPs: Blush EP e Creature Songs; e um disco cheio, My Love is Cool, de 2015. Dá um play no link abaixo pra conferir o som da banda.



Se você gostou de Courtney Barnett, Deap Vally e Wolf Alice, também vai gostar de: Tiago Iorc (brincadeira).

terça-feira, 31 de maio de 2016

Trem Noturno para Lisboa (2013) - Uma Resenha

Se é verdade que apenas podemos viver uma pequena parte daquilo que há dentro de nós, o que acontece com todo o resto?”. Esta é uma das primeiras frases do filme Trem Noturno para Lisboa, de 2013, adaptado do best-seller homônimo de Pascal Mercier (pseudônimo do escritor e filósofo suíço Peter Bieri), publicado em 2004.


A história traz como personagem central o professor Raimund Gregorius (vivido por Jeremy Irons), suíço de meia-idade que vive uma rotina de aulas, palestras e também de solidão após o fim de um casamento, até ser surpreendido por um evento importante. Por meio deste acontecimento que irrompe sua rotina, o personagem descobre o livro “Um Ourives das Palavras”, do autor português Amadeu Inácio de Almeida Prado (obra fictícia dentro da obra), com o qual se identifica imediatamente, a ponto de fazer Raimund agir impulsivamente, como há anos não fazia, e embarcar em uma jornada rumo a Lisboa, atrás da história da vida de Amadeu. Os eventos contados por Amadeu na “obra dentro da obra” são baseados na real luta da resistência portuguesa contra a ditadura, no início dos anos 70.

A busca investigativa de Raimund abre um leque de reflexões filosóficas sobre a vida, seus caminhos, nossas escolhas e jornadas, tanto as que vivemos quanto as que, pelo acaso ou por uma simples decisão, deixamos de viver. Como dito em outra reflexão memorável do filme: “As horas decisivas da vida, quando a direção dela muda para sempre, nem sempre são marcadas por dramatismos ruidosos. Aliás, os momentos dramáticos das experiências que a alteram são frequentemente muitíssimo discretos.

Apesar de alguns problemas de ritmo e roteiro, muito por conta da dificuldade em se adaptar para o cinema um livro em que a filosofia é elemento-chave da narrativa, é difícil ficar indiferente ao texto brilhante e ao encontro de histórias apresentadas pelo filme.

A cada fato que Raimund descobre sobre a vida de Amadeu, o professor mergulha em uma luta para resgatar a si mesmo. Essa necessidade de resgate também diz muito sobre nós, espectadores. Raimund é entediante, ele acredita nisso. Todos o fizeram acreditar. Contra isso, a arrogância foi uma de suas defesas. Não se permitir nada que pudesse fazê-lo sofrer mais foi a principal consequência. Amadeu representa toda a intensidade que Raimund não encontrou em vida. Ele crê que na intensidade mora a plenitude, a felicidade. Talvez isso nunca seja encontrado por Raimund. Mas será mesmo que só ter vivido um turbilhão de emoções nos trará paz e orgulho no final da vida? E sobre tentar outra vez: será preciso ser um otimista para se permitir segundas chances? E há tempo certo para vivê-las? O acaso pode se encarregar de tudo, para o bem ou para o mal.

Às vezes, para tudo mudar, só é preciso que alguém nos pergunte: “Por que você não fica?

Trem Noturno para Lisboa está disponível na Netflix.

Classificação: 4 / 5