A história traz como personagem central o professor Raimund Gregorius (vivido por Jeremy Irons), suíço de meia-idade que vive uma rotina de aulas, palestras e também de solidão após o fim de um casamento, até ser surpreendido por um evento importante. Por meio deste acontecimento que irrompe sua rotina, o personagem descobre o livro “Um Ourives das Palavras”, do autor português Amadeu Inácio de Almeida Prado (obra fictícia dentro da obra), com o qual se identifica imediatamente, a ponto de fazer Raimund agir impulsivamente, como há anos não fazia, e embarcar em uma jornada rumo a Lisboa, atrás da história da vida de Amadeu. Os eventos contados por Amadeu na “obra dentro da obra” são baseados na real luta da resistência portuguesa contra a ditadura, no início dos anos 70.
A busca investigativa de Raimund abre um leque de reflexões filosóficas sobre a vida, seus caminhos, nossas escolhas e jornadas, tanto as que vivemos quanto as que, pelo acaso ou por uma simples decisão, deixamos de viver. Como dito em outra reflexão memorável do filme: “As horas decisivas da vida, quando a direção dela muda para sempre, nem sempre são marcadas por dramatismos ruidosos. Aliás, os momentos dramáticos das experiências que a alteram são frequentemente muitíssimo discretos.”
Apesar de alguns problemas de ritmo e roteiro, muito por conta da dificuldade em se adaptar para o cinema um livro em que a filosofia é elemento-chave da narrativa, é difícil ficar indiferente ao texto brilhante e ao encontro de histórias apresentadas pelo filme.
A cada fato que Raimund descobre sobre a vida de Amadeu, o professor mergulha em uma luta para resgatar a si mesmo. Essa necessidade de resgate também diz muito sobre nós, espectadores. Raimund é entediante, ele acredita nisso. Todos o fizeram acreditar. Contra isso, a arrogância foi uma de suas defesas. Não se permitir nada que pudesse fazê-lo sofrer mais foi a principal consequência. Amadeu representa toda a intensidade que Raimund não encontrou em vida. Ele crê que na intensidade mora a plenitude, a felicidade. Talvez isso nunca seja encontrado por Raimund. Mas será mesmo que só ter vivido um turbilhão de emoções nos trará paz e orgulho no final da vida? E sobre tentar outra vez: será preciso ser um otimista para se permitir segundas chances? E há tempo certo para vivê-las? O acaso pode se encarregar de tudo, para o bem ou para o mal.
Às vezes, para tudo mudar, só é preciso que alguém nos pergunte: “Por que você não fica?”
Trem Noturno para Lisboa está disponível na Netflix.
Classificação: 4 / 5